Auditoria revelou situação calamitosa, em que não há estrutura mínima para prestar serviço de saúde digno para as gestantes; municípios e hospitais também foram notificados
Depois de constatar que a situação da saúde materna na Região Norte do Espírito Santo é calamitosa, o Ministério Público Federal no estado (MPF/ES) e o Ministério Público Estadual (MP/ES) enviaram recomendação à Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) para que adote providências urgentes para minimizar os problemas encontrados. Os 11 municípios da região (São Mateus, Conceição da Barra, Ponto Belo, Mucurici, Montanha, Pedro Canário, Pinheiros, Jaguaré, Nova Venécia, Vila Pavão e Boa Esperança) e os hospitais auditados pelo Departamento de Auditoria do SUS (Denasus) também foram notificados.
De acordo com a recomendação, Estado, municípios e hospitais têm 10 dias, a partir do recebimento do documento, para se manifestar informando se vão acatar ou não as medidas propostas. Além disso, foi dado prazo de 180 dias para a comprovação do cumprimento de todas as medidas. Caso não cumpram as recomendações, os gestores podem ser responsabilizados.
Medidas – Entre os pontos recomendados pelo MPF/ES e pelo MP/ES à Sesa estão a estruturação e gestão de um hospital público que seja referência em gestação de alto risco para atendimento aos municípios da Região Norte de Saúde; a adoção de medidas urgentes para a aferição e o controle do tempo de respostas das chamadas da empresa terceirizada que transporta gestantes e recém-nascidos de alto risco; a exigência de número mínimo de ambulâncias com equipamentos e equipe apta a realizar transporte de gestantes e recém-nascidos de parto de alto risco; a elaboração de cronograma de urgência para a implantação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192) na Região Norte.
Ainda foram recomendadas: a elaboração de atos de regulamentação, controle e avaliação do encaminhamento das gestantes às unidades ambulatoriais e hospitalares de referência; a elaboração de formulário de prontuário específico para gestantes; a realização de análise e diagnóstico das falhas que estejam causando insuficiência de oferta de exames e a consequente adoção de providências para sanar tal carência; entre outros.
Auditorias – A pedido do MPF/ES, as auditorias feitas pelo Denasus em estabelecimentos de saúde de 11 municípios da Região Norte tinham como objetivo apurar as condições de atendimento à saúde materna no Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente o funcionamento da Rede Cegonha; a investigação da mortalidade materna e infantil; a suficiência das instalações físicas, equipamentos e equipes de saúde; o cumprimento dos direitos das gestantes; a adoção de práticas de humanização do parto e o enfrentamento da violência obstétrica.
A solicitação das auditorias foi feita no bojo de um inquérito civil que tramita na Procuradoria da República em São Mateus a fim de apurar a implementação de instrumentos para a redução dos índices de mortalidade materna, em conformidade com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Posteriormente, em decorrência de representação de uma moradora de Jaguaré, informando que havia sido vítima de diversas agressões físicas e psicológicas durante o nascimento de sua filha, o MPF solicitou complementação das auditorias, para que também fosse avaliado se os hospitais-maternidade dos municípios visitados adotam práticas de humanização do parto e evitam procedimentos intervencionistas desnecessários.
Os trabalhos do Denasus foram realizados durante o segundo semestre de 2014 e primeiro semestre de 2015 e se basearam em consultas à base de dados do Ministério da Saúde, do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e ao site da Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (Sesa); em entrevistas com os responsáveis pelos estabelecimentos e unidades de saúde; em visitas às instalações físicas; em entrevistas com pacientes; e em análises de prontuários de gestantes.
Após averiguar várias inadequações nas condições dos serviços de pré-natal, parto e pós-parto nas unidades de saúde e hospitais, bem como do acesso ao transporte de urgência pelas gestantes no âmbito do SUS, o Denasus notificou a Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo, as secretarias municipais de saúde e as diretorias dos hospitais para apresentarem esclarecimentos, que foram analisados e, muitos, não acatados.
Irregularidades – Foram constatadas diversas inconformidades operacionais comuns a quase todas as unidades auditadas, como a existência de prontuários sem informações básicas; a não utilização de guias de referência e contrarreferência para encaminhamento de pacientes; ausência de justificativa para realização de cesáreas e para adoção de medidas interventivas no parto; inexistência de partograma preenchido em mais de 90% dos casos.
Também a partir dos relatórios das auditorias, o MPF/ES verificou carências na realização de pré-natal, com destaque para a não realização dos testes rápidos de sífilis e HIV; a oferta insuficiente de ultrassonografia obstétrica e a dificuldade de acesso a exames bioquímicos. Em virtude dessas deficiências, muitas gestantes acabam pagando pelos exames e outras, que não tem condições de assumir os custos, deixam de realizá-los.
Utin – O mais grave, na visão do MPF/ES, é o vazio assistencial de leitos obstétricos e neonatais (Unidade de Terapia Intensiva Neonatal – UTIN e Unidades de Cuidado Intermediário Neonatal – UCIN) na Região Norte de Saúde, que abrange os municípios auditados. De todas as regiões de gestão da saúde do Estado (Metropolitana, Norte, Centro e Sul), a Região Norte é a única que não possui, em seu território, hospital referência para partos de alto risco, sendo necessário encaminhar gestantes e neonatos nessa situação para a região vizinha.
Atualmente, toda a demanda de partos de alto risco da Região Central e Norte de Saúde está sendo suportada pelo Hospital São José, em Colatina, podendo o deslocamento de uma parturiente e/ou recém-nascido de alto risco ser de até 230 quilômetros desde o local de origem. Não bastasse a longa distância acima apontada, que, por si só, traz sério perigo à vida da gestante e seu bebê, as auditorias revelaram que a remoção de parturientes e seus recém-natos vem ocorrendo de forma deficitária, podendo-se observar, inclusive, óbitos em casos de atrasos e outras insuficiências da prestação de serviço pela empresa terceirizada contratada pela Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo.
As declarações colhidas das parturientes durante as auditorias revelaram que os hospitais ainda não adotam a maioria das boas práticas preconizadas para o atendimento à gestante, sendo frequentes relatos de maus-tratos e humilhações. Das entrevistas com as pacientes extraem-se graves irregularidades: partos realizados por profissional não habilitado; ausência de pediatra e assistência ao recém-nato; partos sem procedimentos anestésicos; ausência completa de informações sobre a situação clínica das gestantes durante a internação; proibição de presença de acompanhantes durante e após o parto; idas e vindas ao hospital, com resultado fatal para o neonato; violência verbal por profissionais da saúde; negativas de atendimento médico e até atendimento médico realizado apenas com a busca de intervenção policial por familiares
FUENTE: A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão