Um conjunto de argumentos em apoio à criação do Comitê e do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura em São Paulo foi apresentado nesta terça-feira (22) pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal. A nota técnica, direcionada à Assembleia Legislativa de SP, questiona o veto apresentado pelo governador em relação ao Projeto de Lei nº 1.257/2014, que trata da matéria.
Entre os motivos para impugnar a criação dos colegiados, o governador destacou possível extrapolação de competência por parte do legislativo local e de limites constitucionais para a atuação dos membros do Comitê e do Mecanismo estadual. No entanto, de acordo com a PFDC, a preocupação em impedir e prevenir a prática de tortura se traduz tanto na Constituição Cidadã de 1988 quanto em inúmeros atos do direito internacional, como o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado pelo Brasil em 2007.
O protocolo prevê eventual necessidade de descentralização das ações inerentes aos mecanismos nacionais, tendo esse princípio sido incorporado à Lei nº 12.847/2013, que institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e cria os respectivos Comitê e Mecanismo no âmbito da administração pública federal.
A PFDC chama a atenção para o fato de que o combate à tortura é um imperativo que alcança os três Poderes indistintamente, inclusive os agentes privados, sendo necessárias as mais amplas articulações em torno do enfrentamento ao problema. Nesse sentido, a Procuradoria afirma que as constituições e leis estaduais devem, certamente, obediência irrestrita ao princípio da separação dos Poderes, mas possuem também a prerrogativa de conceber outros arranjos institucionais sem que se fira a Carta Magna, assegurando que o ordenamento jurídico nas diversas regiões do país reflita o exercício democrático local.
Portanto, enfatiza o documento, o princípio da separação de poderes não foi afetado pelo conteúdo do PL 1.257/2014, uma vez que a instituição do Comitê e do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura de São Paulo, no âmbito da Assembleia Legislativa, não interfere na ordenação dos poderes constituídos ou na essência da repartição de funções estatais.
Irregularidades – Em junho de 2018, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em conjunto com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP), divulgou relatório com os resultados da inspeção realizada em comunidades terapêuticas nas cinco regiões do Brasil a fim de avaliar possíveis situações de tortura e maus tratos. As vistorias ocorreram em outubro de 2017, de maneira simultânea em 28 estabelecimentos de doze Unidades da Federação (Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo, além do Distrito Federal).
Entre as violações, foram identificadas práticas de castigos físicos, privação de liberdade, violação à liberdade religiosa, trabalhos forçados e sem remuneração, além de conduções à força para a internação – por meio do uso de contenção física ou medicamentosa.