BRASIL: Para MPF/SP, há consenso de que a epsiotomia não deve ser usada indiscriminadamente

«Assim como o corte, a sutura também foi feita sem anestesia, no momento em que eu pegava minha filha nos braços pela primeira vez», relatou mãe em audiência pública.

Cerca de 300 pessoas lotaram o auditório da Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR-3), em São Paulo, na tarde desta quinta-feira, 23 de outubro, durante audiência pública para debater episiotomia e humanização do nascimento. A episiotomia consiste em um corte na região do períneo, realizado por médicos e enfermeiros sob o fundamento de que seria necessário para facilitar a saída do bebê durante o parto normal. O procedimento pode ser considerado um exemplo de violência obstétrica quando é feito sem consulta prévia à parturiente ou mesmo contra a sua vontade. De fato, esse tipo de intervenção vem sendo realizado até mesmo sem anestesia local.

Denúncias como essa chegaram ao Ministério Público Federal em São Paulo no curso do inquérito civil público que apura formas de violência relacionadas ao parto. Para a procuradora da República Ana Carolina Previtalli Nascimento, uma das responsáveis pelo inquérito, essas informações demonstraram a necessidade de levar o tema à discussão com a sociedade. A audiência pública realizada nesta quinta-feira, portanto, teve como objetivo ouvir médicos e entidades que acompanham a questão e até mesmo as próprias vítimas de violência obstétrica para reunir elementos e informações que possam orientar e subsidiar o trabalho do MPF.

Para a procuradora da República Luciana da Costa Pinto, que também atua no caso, a audiência pública foi significativa para mostrar que há um consenso de que a episiotomia não deve ser utilizada rotineiramente – ao contrário do que de fato vem acontecendo em muitos estabelecimentos de saúde, nos quais o procedimento é utilizado em até 90% dos partos normais. Ela ressaltou que os dados colhidos nesta quinta-feira são muito importantes para subsidiar a atuação do MPF na apuração e na eliminação da violência obstétrica e destacou a relevância de fazer chegar ao público informações sobre o adequado atendimento à gestante. «Esperamos que as pessoas que foram vítimas e que ainda não denunciaram o que se passou com elas se sintam encorajadas pelos relatos emocionados que ouvimos aqui – e que procurem o Ministério Público», concluiu.

Participaram da audiência pública representantes de entidades públicas, hospitalares e instituições de ensino. Contrária à episiotomia, a professora da Universidade Federal de Campina Grande Melania Maria Ramos de Amorim informou que há doze anos não realiza o procedimento em suas pacientes. Por sua vez, a representante da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), Rossana Pulcineli Francisco, ressaltou que a episiotomia não deve ser utilizada de forma indiscriminada – mas frisou também que não há evidências científicas de que a prática nunca deva ser realizada.

Paradigma – Já a professora da Faculdade de Saúde Pública da USP Simone Grilo Diniz falou sobre a mudança de paradigma que se impõe a grande parte dos médicos, uma vez que a possibilidade de lançar mão do procedimento fez parte da formação acadêmica de muitos deles – e só mais recentemente passou a ser vista como dano potencial às parturientes. «As evidências mais atuais não apoiam os benefícios tradicionalmente atribuídos à episiotomia», destacou.

Diretor clínico do Hospital Sofia Feldman, o médico João Batista Marinho de Castro Lima traçou um histórico sobre a busca, desde a década de 1980, pelo chamado parto humanizado. Localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, o Hospital Sofia Feldman abriga um Centro de Parto Normal construído com recursos do Ministério da Saúde no qual se oferece assistência humanizada à parturiente e ao recém-nascido de baixo risco. Ele trouxe ainda dados comparativos sobre a episiotomia: de acordo com as informações mais recentes, que são de 2011, no Brasil se adota o procedimento em 74,6% das mães de primeira viagem. Nos Estados Unidos, a taxa é de 18%, e na Inglaterra, de 7,9%.

A audiência pública também foi marcada por relatos emocionados de mães vítimas de violência obstétrica. Laura contou que chegou a pedir para não passar pelo procedimento – mas teve seu desejo desrespeitado. Além disso, corte e sutura foram realizados sem anestesia. «Assim como o corte, a sutura também foi feita sem anestesia – e no exato momento em que eu pegava minha filha nos braços pela primeira vez», relatou. Outra narrativa que chocou a todos os presentes foi a de Mariana, que teve seu filho em um hospital escola, sendo submetida a duas episiotomias simultâneas, uma de cada lado, para que os alunos pudessem treinar. «O médico que estava me atendendo deu duas tesouras, uma para cada residente, e disse ‘agora cada um corta de um lado'», lembrou.

Informações colhidas durante o inquérito civil revelam uma disparidade nos índices de adoção da episiotomia pelas unidades de saúde de São Paulo. Enquanto em alguns dos hospitais consultados o procedimento é realizado em 90% dos partos normais, em outros, esse número fica abaixo dos 10%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que sua adoção não ultrapasse 15% dos partos.

 

FUENTE: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão