BRASIL: MPF/MG quer garantir atendimento da população de Manhuaçu pela Defensoria Pública da União

O direito à assistência judiciária, integral e gratuita, é garantido pela Constituição, mas ainda não é realidade sequer em municípios-sede de subseções judiciárias federais.

O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) ajuizou ação civil pública pedindo que a Justiça Federal determine a instalação de uma unidade própria da Defensoria Pública da União (DPU) em Manhuaçu, município da região Sudeste de Minas Gerais.

O MPF também pede, em caráter imediato, por meio de liminar, a adoção de soluções paliativas que garantam esse atendimento, seja por meio da designação de pelo menos um defensor público federal para atuar de forma itinerante a cada 15 dias; da celebração de convênio com a Defensoria Pública Estadual; ou, então, do pagamento de honorários dos defensores dativos designados pela Justiça Federal com recursos do orçamento próprio da DPU.

A ação fundamenta-se nos artigos 5º, LXXIV, e 134 da Constituição, e ano artigo 4º, parágrafo 5º  da Lei Complementar 80/94, os quais obrigam o Estado brasileiro a fornecer assistência jurídica, integral e gratuita, a cidadãos necessitados.

A ação originou-se da necessidade de se evitar a perpetuação dos abusos cometidos por escritórios de advocacia atuantes na subseção judiciária federal de Manhuaçu contra pessoas vulneráveis, necessitadas, idosas, analfabetas, enfermas, e, portanto, potenciais usuárias do serviço público de assistência jurídica gratuita que deveria ser prestado pela União.

Segundo o MPF, os abusos consistiram na apropriação indevida de valores depositados judicialmente em ações previdenciárias, bem como na realização de serviços advocatícios sem comunicação prévia dos honorários que seriam cobrados e até a estipulação de honorários abusivos, em porcentagens que, em determinados casos, chegou e até ultrapassou 50% dos valores atrasados recebidos pelos segurados.

Os casos apurados pelo Ministério Público Federal resultaram no ajuizamento de diversas ações civis públicas contra os advogados que cometeram as ilegalidades, com o objetivo de obrigá-los tanto ao ressarcimento das vítimas quanto à declaração de nulidade das cláusulas contratuais que fixavam os honorários abusivos. 

Para o procurador da República Lucas de Morais Gualtieri, autor das ações, «a situação poderia ser evitada em grande proporção caso o Estado cumprisse seu dever de instituir a Defensoria Pública da União na subseção judiciária de Manhuaçu, pois a clientela vítima desses advogados é justamente o público-alvo da Defensoria. Sem contar os casos de réus em processos criminais que não têm condições de arcar com os custos da constituição de um advogado e se vêem privados de assistência judiciária efetiva».

Distorção – Apesar da grande demanda da população local pelos serviços prestados pela DPU, não há prazo definido para que a cidade receba uma unidade da Defensoria. Segundo os critérios de prioridade estabelecidos pelo órgão para orientar sua expansão, Manhuaçu ocuparia o 116º lugar da etapa 4 do seu Plano de Interiorização.

As segunda e terceira etapas, que seriam concluídas no ano de 2013, previam a instalação de unidades da DPU em localidades com mais de quatro varas federais (2ª etapa) e nas cidades com menos de quatro varas mas com público-alvo (famílias com renda de até três salários-mínimos) superior a 500 mil habitantes (3ª etapa). Só então, concluídas essas duas fases, teria início a implantação de DPUs nas demais cidades-sede de subseções judiciárias federais.
 
«Fato é que o Plano de Interiorização não atende a necessidade da população. Para se ter ideia, das 26 subseções judiciárias federais atualmente existentes em Minas Gerais, apenas três – Juiz de Fora, Uberlândia e Governador Valadares – possuem unidades da DPU instaladas nas cidades-sede. Contando com a seção judiciária federal de Belo Horizonte, a cobertura no estado é de apenas 11%», afirma Lucas Gualtieri.
 
Além disso, segundo ele, os critérios utilizados no Plano de Interiorização violam frontalmente as determinações constitucionais, que ordenam a priorização das regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional: «o critério eleito pela DPU como fator primordial para a instalação de suas unidades (número de varas federais) sequer constitui critério eleito pelo Constituinte. E mesmo o segundo critério (cidade com mais de 500 mil pessoas com renda familiar inferior a 3 salários-mínimos) não atende ao comando constitucional». 

O procurador da República explica que «o nível de exclusão social de determinada população não pode ser medido em números absolutos de pessoas com baixos rendimentos financeiros, porque, quanto mais populoso um município, obviamente maior será o número de pessoas com baixa renda». Assim, «apesar de muitos pequenos municípios possuírem população – em sua quase totalidade –  extremamente marginalizada, jamais serão atendidos pela Defensoria Pública antes da implantação da unidade em grandes centros metropolitanos, e em grandes cidades, muito embora possuam um índice de exclusão social, na maior parte das vezes, muito superior a eles».

«Os critérios postos pela DPU podem até ser utilizados para se determinar o número de defensores federais a serem designados para uma e outra localidade, mas não para a instalação de suas unidades», conclui.

A ação ainda registra que, analisando-se o IDH de Manhuaçu em comparação com os 115 municípios que a antecedem prioritariamente no Plano de instalação de unidades da DPU, percebe-se que 81 municípios «possuem índices constitucionais piores, razão pela qual deveriam estar atrás dele em uma ordem de instalação minimamente consentânea com a Constituição da República». 

Segundo o MPF, «essa situação impõe às respectivas populações todas as consequências de não poderem contar com assistência jurídica integral, negando a uma parcela considerável da sociedade, notadamente a mais necessitada, o acesso à Justiça, requisito básico para a promoção de inúmeros outros direitos».

Emenda Constitucional – A Emenda Constitucional 80, publicada em 05 de junho de 2014, ao conferir à Defensoria Pública o status constitucional de função essencial à justiça, também estabeleceu prazo de oito anos para que a União, os Estados e o Distrito Federal criassem órgãos de atuação em todas as unidades jurisdicionais.

Para o MPF, «não se pode interpretar o prazo estabelecido pelo constituinte como uma moratória legal conferida aos poderes constituídos, para que cumpram o dever constitucional estabelecido pelo constituinte originário em 1988. A implementação da Defensoria Pública em cada unidade jurisdicional é juridicamente exigível desde já, tendo em vista que a omissão inconstitucional que assola a concretização do direito fundamental à assistência jurídica já é quase trintenária».

Por isso, o principal pedido da ação é para que a Justiça Federal condene a União a instalar uma unidade da DPU em Manhuaçu no prazo máximo de 12 meses.

Liminarmente, o MPF pede o atendimento itinerante (defensores federais que se desloquem até a cidade, pelo menos uma vez a cada 15 dias) e, não sendo possível o atendimento a nenhuma dessas opções, o bloqueio de valores nas contas da Defensoria Pública da União para custear os honorários advocatícios dos defensores dativos nomeados pelo juízo da vara federal de Manhuaçu.

FUENTE: A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão