Encontro promovido pela PFDC, a ESMPU e a FIO reuniu representantes de Defensorías del Pueblo de nove países para troca de experiências e incidência regional
“Uma oportunidade para ampliarmos a reflexão e a capacidade de ação na temática, a partir da perspectiva de muitos olhares e compreendendo que a migração é um fenômeno que lança desafios comuns aos países e que demanda, portanto, uma atuação regional”. Assim a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, sintetizou os dois dias de atividades do Seminário Ibero-Americano “Proteção aos direitos de Venezuelanas e Venezuelanos – Por uma acolhida humanitária na América Latina”, realizado nos dias 23 e 24 de outubro, em São Paulo.
O encontro reuniu representantes de Defensorías del Pueblo de nove países (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Panamá e Peru, além do Brasil), de organismos internacionais e de entidades da sociedade civil que atuam no tema da migração e teve como enfoque uma visão regional sobre a migração de venezuelanas e venezuelanos.
O diálogo deu continuidade às tratativas firmadas no âmbito do Fórum Regional sobre a Proteção dos Direitos das Pessoas Venezuelanas em Mobilidade na América Latina, realizada em setembro deste ano, no Equador, e que contou com a participação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
Além de incorporar os eixos temáticos inicialmente debatidos no encontro no Equador, o diálogo e buscou ampliar o debate sobre a proteção a grupos de atenção prioritária – como mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência, indígenas e população LGBTI –, bem como o papel dos meios de comunicação no combate à discriminação e à xenofobia.
De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) das Nações Unidas, há 2,6 milhões de venezuelanos vivendo fora de seu país – a grande maioria em países da América do Sul, especialmente Colômbia, Peru, Brasil e Equador. Segundo o órgão, até 2019, o número pode chegar a 3,8 milhões. Estimativas apresentadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) apontam que 85 mil venezuelanos teriam ingressado no território brasileiro, entre residentes e refugiados. No Peru, seriam entre 300 a 400 mil e na Colômbia, mais de um milhão.
“As razões para os deslocamentos são diversas, mas a dignidade e os direitos dessas pessoas devem sempre ser garantidos”, apontou Jaime Nadal, do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), ao lembrar que, em contextos de migração, grupos historicamente invisibilizados sofrem ainda maior discriminação.
Políticas públicas e marcos legais – No diálogo, o grupo ressaltou que, em geral, as políticas públicas dos países estão inacessíveis a migrantes, seja no acesso à saúde, na educação ou nas políticas de emprego. “Até mesmo o acesso à Justiça é prejudicado, pois há desinformação e medo de uma atuação repressiva por parte do Estado exatamente em razão da condição de migrante”, apontou o representante da Defensoria del Pueblo do Panamá, Fernando Wing. No caso do Brasil, destacou a procuradora Deborah Duprat, é fundamental assegurar uma política de Estado para a questão migratória e que as ações na área sejam transparentes e abertas ao controle social.
Também estiveram em debate os marcos regulatórios que tratam da regularização, refúgio, controle migratório e políticas de acolhimento a essa população. De acordo com a defensora del Pueblo do Equador, Gina Benavides, embora, na América do Sul, o país seja o que possui a Constituição mais garantista em termos de mobilidade urbana, na prática, ainda adota medidas que contradizem suas normas internas em termos de proteção de direitos humanos dos migrantes.
No caso do Chile, a legislação na área foi aprovada em 1975, tendo como enfoque mais a proteção da segurança nacional do que a garantia de direitos humanos de migrantes. “Não é uma legislação apropriada para a realidade regional e uma nova legislação está em trâmite desde 2013, mas ainda não há previsão para sua aprovação”, apontou Beatriz Reyes, da Instituição Nacional de Direitos Humanos do Chile.
Desafios – Os participantes ressaltaram que as “portas de entrada” dos migrantes costumam ser locais de baixa institucionalidade – como ocorre na cidade de Pacaraima, em Rondônia, onde há precária oferta de serviços públicos – e que é necessário tirar da temática migratória o véu do preconceito e da xenofobia. “A acolhida humanitária não é apenas um direito, é um dever moral e um imperativo ético”, ressaltou o diretor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), João Akira Omoto.
O papel das Defensorias del Pueblo, provedorias e procuradorias de Direitos Humanos para lidar com a questão foi lembrado pela secretária técnica da FIO, Carmen Comas, ao ressaltar a importância de uma atuação articulada com os demais órgãos do poder público, organizações da sociedade civil e organismos internacionais.
Para Julia Unger, diretora da PROFIO/GIZ, agência apoiadora da FIO, essas são ações que demandam um trabalho em rede, e a proposta é que as reflexões possam subsidiar o diálogo entre Estados nacionais – o que ocorrerá no próximo mês em Quito, Equador.
O “Seminário Ibero-Americano de proteção aos direitos de Venezuelanas e Venezuelanos – Por uma acolhida humanitária na América Latina” é uma realização da ESMPU, da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos, da Federação Iberoamericana de Ombudsman (FIO) e do Projeto Regional de Fortalecimento dos Membros da FIO da Agência de Cooperação Alemã (PROFIO/GIZ), em parceria com a rede de capacitação dos atores envolvidos no acolhimento, integração e interiorização de refugiados e migrantes no Brasil.